quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Possessão Passiva

Já ouviu?
Foi no dia que eu peguei o Birty. Birty é um passarinho desses de parque mesmo, que ficam por ai sujando os bancos de concreto e não tem rumo e nem ninho. Eu sabia que eles andavam em bando, mas o Birty tinha uma coisa, não sei que coisa, que eu fiquei olhando, fiquei olhando pra ver se eu descobria que coisa era. Levei pra casa.
Eu pensei que talvez o Birty sumiria, eu sabia que ele gostava da vida de praça, mas eu decidi correr o risco. Fiz um canteirinho pra ele não se sentir tão preso, sabendo que eu não queria mantê-lo tão solto.
Porque possessão? Porque eu contrariei. Eu não quis visitar o parque nos sábados pra ver o Birty, ele agora era meu! Fui eu que fiz um canteiro e não haveria mais ninguém pra não descobrir o que ele tinha de diferente.
Porque passiva? Eu não o prendi em uma gaiola. Eu não quis que ele bebesse água se antes bebia vinho. Eu não quis tirar o cheiro de clorofila do Birty.
Eu acordo e penso nele, trato dele, trato da casinha dele. Hoje ele gosta que eu visite o seu cantinho e passe algumas horas ouvindo seu barulho, e eu ainda gosto de olhar pra ele e ainda tentar descobrir o que ele tem que me fez tirá-lo dos bancos de concreto. Mas tem dia de manhã que passa uns passarinhos parecidos com o Birty aqui na rua de casa, e ele canta tanto, que eu penso que ele tem saudade de ser sem rumo e sem ninho. Mas eu sou possessiva, eu vou pro seu cantinho e assovio pra ver se ele esquece que ouviu canto de pássaro, pra ver se ele acha que o meu canto é único e suficiente.
Eu tenho medo de ele um dia ficar sufocado e querer escapar por entre as gretas do canteirinho de madeira. Eu já me prometi deixa-lo gostar de outros barulhos, e já pensei até em aumentar o espaço das madeiras, mas sempre que eu ouço o Birty bater as asas e cantar alto, eu acabo assoviando.

(pra quem sabe um pingo, ler é letra)